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A Redação de Joãozinho

Conto aqui uma história verídica de domínio público (eu não sou o autor, apenas transcrevi em linhas), da trágica história de Joãozinho.

Joãozinho era um garoto muito feliz. Tinha uma família de raiz européia, estudava em escola particular e tinha muitos, muitos amigos. Estava na terceira série do ensino fundamental quando sua vida deu uma séria guinada.

Foi na aula de Português que sua professora, dona Matilde, pediu para fazer uma redação, de tema livre, para analisar a capacidade imaginativa de seus alunos. Joãozinho, que adorava ler e escrever, ficou extasiado com a tarefa, de modo que imediatamente deu início à sua redação. Não ficou exatamente da maneira que ele queria mas, enfim, as histórias às vezes se escrevem sozinhas e somos apenas um meio pela qual elas ganham palavras escritas.

Terminada a redação, Joãozinho, como era de costume, revisou-a e entregou à sua professora para que ela fizesse a correção. Cabe lembrar que Joãozinho era, até então, o aluno preferido dela, e não apenas dessa sala, mas sim de todos os alunos que já tivera em sua sala. E olha que dona Matilde já estava aposentada, com seus 77 anos, e só lecionava por puro amor.

Como ainda restava um bom tempo para terminar a aula, e como, também, Joãozinho foi o primeiro a terminar, como também era de costume, dona Matilde resolveu dar início à correção na sala de aula mesmo, diminuindo assim a quantidade de redações que teria que ler em sua casa.

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Joãozinho, por sua vez, voltou para sua carteira e voltou a ler o livro que havia ganhado do pai na semana passada, que estava muito interessante. Dez minutos depois a classe toda se assusta com um alto grito proferido pela professora. Sim, um grito, logo por ela, dona Matilde, que era toda paciência e amor.

– Joãozinhooooooo! – gritou – venha já aqui!

Joãozinho levantou-se assustadíssimo e se dirigiu à mesa de sua querida professora, sem saber o que causara tamanha alteração de seu estado.

– O que significa essa redação? – perguntou dona Matilde.

– Como assim professora? Ficou ruim? – respondeu, perguntando, um intrigado Joãozinho.

– Ruim? Ruim? O fato de ser bem ou mal escrita é um fator irrelevante! Como você escreve coisas absurdas como essas? Como você acha que uma pessoa pode sequer achar que um dia isso seria perdoável??? Em nenhum dos meus 55 anos de profissão eu vi algo que se aproximasse de tamanha heresia! Saia já da minha sala de aula! E leve essa imundície com você! Você está terminantemente proibido de retornar aqui! Nunca mais entendeu?

O pobre Joãozinho ficou sem entender. Qual era o problema com sua redação? Ele não havia escrito nada de mais…

Saindo da sala de aula que fora expulso, Joãozinho adentrou ao corredor adjacente com a redação em mãos, lendo, procurando qual teria sido o problema com ela. Não estava conseguindo achar. Nesse momento apareceu um de seus melhores amigos, Pedrinho, que havia ido ao banheiro. Vendo a expressão de tristeza e incompreensão de seu amigo, Pedrinho perguntou do que se tratava. Joãozinho explicou da redação e deu-a para que seu amigo avaliasse. Terminando, Pedrinho respondeu:

aluno

– Você “tá” brincando né? Como se atreve fazer a mim, um de seus melhores amigos, ler um absurdo desses? Não sou mais seu amigo! Não quero mais saber de você! Suma da minha frente e nunca mais olhe na minha cara!

Joãozinho saiu, mas continuava sem entender qual era o problema. Ele não fez nada de errado. E por mais que tivesse feito, que erro seria esse que fazia com que tudo que ele havia feito de bom ter sido totalmente esquecido?

Já no pátio, voltou a ler sua redação, procurando uma resposta, quando aparece a inspetora perguntando-o o que estava fazendo fora da sala de aula. Joãozinho explicou o ocorrido e ela pediu para ler a redação. Quando terminou de ler, sua reação não foi diferente dos outros:

– O que é isso Joãozinho? Como você, um menino tão bom, escreve uma coisa dessas? Que absurdo, nunca imaginei na minha vida passar por uma situação semelhante a essa que eu estou passando agora! Você vai direto para sala da diretora.

Joãozinho, intrigado, foi conduzido pela inspetora de alunos até a sala da diretora. Chegando lá, sentou na cadeira em frente à mesa e recomeçou a ler… a diretora estava demorando, de modo que ele conseguiu terminar a leitura, continuando sem entender. Esperou por mais um tempo até que a diretora entrou na sala, calma, estranhando o fato de justo Joãozinho estar lá. Mas achou que certamente havia sido um grande mal entendido. Perguntou então para o garoto que explicou toda a situação.  A diretora pediu a redação e leu, dizendo em seguida:

– Joãozinho! Que negócio é esse? O que deu na sua cabeça? Aliás, como você conseguiu pensar num absurdo desses? E mais, como teve a audácia de escrever numa redação??? Você só está na terceira série menino! Isso é inadmissível! Eu sou educadora, pedagoga, mas isso é intolerável! Seu caso é irrecuperável! Você está expulso da escola. Jamais passe sequer aqui em frente! Sai! Já!

escola

Humilhado, o ex-aluno da escola inglesa King Edward sai para rua, desiludido. A caminho de casa encontrou seu irmão, mais velho, que estudava no período vespertino. Zezinho, vendo seu irmão, pergunta o que houve. Ele explica tudo o que ocorreu e seu irmão pede para ler a redação. Joãozinho entrega na esperança que seu irmão o ajudasse a resolver o enigma. Mas não podia estar mais enganado.

– Que diabos é isso? Eu não sou mais seu irmão! Como você se atreve a escrever uma coisa dessas e ainda por cima me dar pra ler? O que você acha que eu sou? Saia daqui e nunca mais olhe na minha cara! Esqueça que eu existo que eu já esqueci de você!

mãe

Completamente aturdido, Joãozinho sai de perto apressadamente e corre desesperado para sua casa, onde está sua mãe. Chega chorando tentando explicar, chorando, o que para ele era inexplicável, incompreensível. De nada adianta, até mesmo sua mãe reage mal.

– Como assim??? Quem lhe ensinou uma coisa dessas? Eu não! Essa não foi a educação que eu lhe dei! Meu filho não escreveria jamais algo assim. E não só meu filho, acho que filho de nenhuma mulher no mundo seria capaz de uma coisa dessas! Saia já de casa que eu já não sou sua mãe! Nunca mais volte para cá! Você vai viver o resto de sua vida como mendigo, porque é isso que você merece!

Por mais que tudo de pior estivesse acontecendo, Joãozinho não esperava por isso. Ser expulso de casa por algumas simples palavras? Palavras essas que, ao seu ver, nada tinham de especial. Palavras humildes e simples, um texto inocente. Saiu para rua, sem casa, sem lar, sem família, sem cachorro. Cabisbaixo, desacorçoado, com a redação na mão e a mochila nas costas. Entrou numa viela para descansar, mas foi surpreendido por um assaltante.

– Passa já tudo que você tem aí! – disse o malfeitor. O menino entregou a mochila. – E esse papel aí? Deixe-me ver!

O assaltante teve sua atenção chamada pela história, e a leu inteira. Fitou o menino e perguntou:

– Foi você que escreveu isso?

– Sim.

– É… toma, me desculpe viu… É tudo seu, leve minha arma também e esse dinheiro. Eu já me meti com tudo nessa vida, mas você parece realmente perigoso. Esquece de mim. Foi um erro meu! Desculpe!

E saiu em disparada pela viela, deixando tudo com o menino. Joãozinho estava inquieto. Ora, o que tinha naquelas despretensiosas linhas que,  diferente de todos, ele não decifrara? Não sabia mais o que fazer. Continuou errante pela cidade, até que avistou uma igreja, onde entrou para pedir conselho. Era sua última esperança!

Encontrou então o padre, explicou tudo, com todos detalhes e lhe entregou a redação. O padre pegou, achando graça. Depois que leu sua fisionomia mudou, dizendo, seco, poucas palavras.

padre

– Saia daqui. Está excomungado. Não há salvação para você.

Joãozinho saiu. Continuou errando e lendo, errando e lendo. Encontrou uma ponte e de lá de cima se jogou, morrendo. Finalmente a tortura acabara, pensou. Mas ledo engano. Joãozinho foi bater nos portões do céu, com a redação na mão.

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São Pedro, o guardião da porta do céu, perguntou como uma pessoa tão jovem havia morrido. O menino explicou mais uma vez, esperando a redenção. São Pedro achou graça, pegou a redação, fitou o menino e nada disse. Quando se deu por si, Joãozinho havia se esborrachado no inferno, com sua redação na mão. Lá foi encaminhado para o coisa-ruim, cramunhão, diabo, canhoto, lúcifer, belzebu, tranca-rua, traquinas, ou seja lá como deseja o leitor chamar.

– Criança! Há tempos não recebo uma criança! – Disse o Senhor das Trevas. – O que fizeste, meu jovem rapaz, para merecer meu aquecido lar?

– Nada! Nada! Eu não fiz nada de mais! Te juro! Eu não agüento mais isso e não sei o que aconteceu! A única coisa que eu fiz foi escrever essa redação e todos me execraram! Eu a reli milhões de vezes e não tem nada de mais! Nada! Por favor seu Demônio! Me ajude pelo menos a esclarecer o que há de tão maligno em minha redação!

diabo

– Uma redação? – Riu o Anjo Caído – Deixe-me ler.

Joãozinho entregou. O diabo pegou a redação e começou a ler. Nome: João da Silva. 3ª série…. E de repente uma ventania tomou conta do ambiente infernal, a folha escapou das mãos do Dono da Escuridão e do sofrimento e saiu voando… Labaredas de fogo se ergueram com o vento, sendo que uma dessas labaredas veio por ser o fim da redação, a razão pela queimada e pela perda eterna do texto de Joãozinho, que apenas os envolvidos diretamente na história souberam, cabendo a nós apenas imaginar.

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